A chuva molhava suas botas de couro
negro, empapando tolamente seus pés. O calçado se tornara uma mistura de lama e
grama. Seus olhos vazios de expressão fitavam além da estrada que fora designado
a proteger aquela noite. A aldeia permanecia em um silencio insuportável,
apenas aumentando a agonia de estar só, meio a chuva e a névoa da noite.
Ao longo da estrada se encontrava
uma floresta escurecida pela noite, sombria e cheia de mistérios, afinal, até
mesmo para os melhores caçadores uma floresta mergulhada na escuridão da noite,
se tornava um manto de perigos e surpresas.
A única entrada para sua aldeia
percorria aquele caminho, e qualquer coisa que viesse a querer visitá-los teria
que passar por ali. Um outro guarnecia na parte oposta da aldeia.
Adiante, meio a névoa da noite,
sinais de iluminação começaram a aparecer. O homem retirou dos olhos seu cabelo
molhado, que o atrapalhava neste momento. Sua boca se retorceu por debaixo da
barba grisalha que crescera em seu rosto. Sua curiosidade aumentou quando as
luzes vieram a se tornar tochas, pelo menos dez delas. Uma fileira de figuras
encapuzadas percorriam o caminho em sua direção.
- Alto lá! - exclamou. - Quem são
vocês, e o que vos trazem tão longe a esta hora da noite. - indagou, observando
os semblantes escondidos por capuzes.
- Primeiro, muito boa noite. -
Começou formal. - Estamos dias a trote, viajando meio a chuva e lama. Somos apenas sacerdotes meio a uma
peregrinação! - Parou. O homem
observou-os com cautela, tentado a mandá-los embora.
- Sei que somos estranhos aos seus
olhos, mas não trazemos nenhum risco a sua aldeia, nem mesmo a sua vida.
Pedimos apenas um pouco de abrigo e comida. Todos estão cansados, sem dormir a
dias...
- Vocês são quantos? - Indagou, sem
nem ao menos notar, que mesmo a chuva não diminuía o fogo das tochas.
- Estamos em quatorze pessoas. - Não
mentiram. Estavam em quatorze pessoas, todas de capuz, observando-o.
- Não gosto da maneira como me
olham. Pra pessoas que necessitam de ajuda, estão com uma cara de merda que me
faz querer chutar todos! - Relutantes viraram suas faces para o lado contrário
do guarda. - Assim está melhor! Não sei a intenção de vocês, mais são um grupo
muito grande para fazerem qualquer merda aqui sem que os denunciem. Procurem
uma estalagem no centro de nossa aldeia, o velho Bardok irá servi-los! -
Apontou a direção.
- Muito grato meu senhor, que os
Deuses o ajudem a cumprir sua missão aqui hoje, seja caído ou de pé! -
Agradeceu o sacerdote, com um pingo ácido em suas palavras, quase que
imperceptível.
Por vez, continuaram a galopar
dentre os portões abertos da grande barreira feita de madeira, ela que cercava
toda a extensão da aldeia. Meio a eles, carregavam grandes placas de pedra meio
cobertas por lenços.
Entre os olhos, observou uma placa
maior, de pelo menos dois metros, sendo carregada por um único cavalo. A ronda
do homem já estava para acabar. Não agüentaria mais uma hora em pé, sendo
castigado pela chuva e frio, porém, devia se manter de pé ao menos até o
próximo turno. Os minutos se passaram, virando horas. Ninguém apareceu. Começou
a pensar o porque de tudo aquilo. Praguejava aos deuses de todas as maneiras
possíveis, amaldiçoando seus companheiros por fazerem aquilo com a ele.
- Basta. - Se virou em plena fúria,
voltando seus olhos para trás, observando o silêncio de sua aldeia. Ela que
mergulhada em silêncio, aparentava mais um grande cemitério do que um vilarejo
repleto de pessoas.
Seus passos firmes na lama, o
distanciando de seu posto o lembrou que não poderia largá-lo sem que alguém
viesse, e este alguém estava pregando-lhe uma peça de muito mal gosto.
- Harbok, seu moleque desgraçado.
Vou escalpelar seu pinto e atirar aos porcos! - Praguejou, mirando o semblante
de uma pessoa meio a rua. Caminhou pisoteando as poças de água e lama.
Se aproximou o suficiente para tocar
o ombro do jovem. Sua mão coberta pela luva de couro marrom, não conseguia
sentir o frio além do normal no corpo do garoto. Virou-o apenas para ver uma
face em plena agonia, morta, totalmente pálida. Um Harbok diferente, do qual
não desejava ter visto, nem mesmo desejado tudo que praguejou. O corpo do rapaz
se estatelou na lama, sem fazer qualquer movimento de luta para impedir a
própria queda.
Seu corpo estava mais magro do que o
costume, assim como seu rosto. Seus olhos brancos não tinham sinal de vida.
Estava morto.
O desespero bateu em sua mente, não
sabia o que fazer. Mergulhou de joelhos no chão úmido, manchando-os de lama.
Tocou o corpo do garoto, procurando qualquer sinal de luta. Virou e revirou,
mas não achou simplesmente nada. Não conseguia pensar em mais nada, um garoto
tão jovem. Conhecia o pai do garoto, já estava imaginando a tristeza que o
homem sentiria ao receber a notícia de que seu herdeiro havia sido morto. Pelo
menos imaginava que havia sido morto. Mesmo não tendo nenhum sinal de
assassinato, Harbok estava muito
estranho para ter sido uma morte repentina.
- E essa agora... - Coçou seu cabelo
meio grisalho, tentando achar alguma explicação. Observou em torno de si, e
notou finalmente que a aldeia estava em um silêncio perturbador. Nada era
ouvido.
Um baque em sua mente acabou
lembrando-o de sua família. Não sabia o porque, mais sentia que algo não estava
certo.
Com calma, levantou-se e parou,
olhando em direção a sua cabana. Com passos calmos, viajou a distancia com sua
mente limpa. Não conseguia pensar em absolutamente nada, nem mesmo na morte de
um jovem companheiro.
Ao chegar diante da fina porta de
maneira, alegrou-se por notar que não havia pegadas, nem evidencias de que
alguém havia entrado em sua casa. Colocou sua mão direita na cadeira da porta,
empurrando-a devagar. Nenhum sinal de seu filho, ou de sua filha, nem mesmo sua
mulher estava neste cômodo. A luz das velas permaneciam acessas. Continuou
adiante, entrando no quarto de seus amados filhos. O formato de seus corpos
estavam cobertos pelo cobertor, aquecidos, procurando se esconder do frio.
Feliz, caminhou até o lado esquerdo da cama de seu filho, deixando um rastro de
pegadas desde a porta de entrada. Olhou com afeto para seu herdeiro, lembrando
do rosto de Harbok, pensando na linhagem perdida de seu velho amigo. Abaixou-se
para observá-lo, apenas para ter certeza de que estava bem.
- Graças aos Deuses... - Tirou levemente o cobertor de seu rosto, era
jovem, apenas quatorze anos. Sua pele estava branca, seu rosto magro. Aquele
branco, um tom nunca antes visto em seu filho. Sentiu um grande aperto no
coração. Virou o corpo do garoto para ele, notando sua aparência calma, totalmente
desprovida de vida, porém, mergulhada em um descanso confortável, uma calma que
apenas o sono pode trazer ao homem.
- Isso... - Engasgou. - N-não... -
Olhou para trás, observando a outra cama, com sua pequena filha de nove anos.
Com um salto tirou-a do cobertor, abraçando-a com toda força, enquanto olhava
para seu rosto. Se encontrava no mesmo estado de seu filho... Calma.
Ambos estavam mergulhados numa calma
eterna, simplesmente abençoada pelo único descanso eterno.
- Mortos... - Soluçou meio a lagrimas,
enquanto apertava a garota. - Os dois... Isso.. - Fechou os olhos, recostando-se
a parede, sentado com a pequena nos braços. Apertou com firmeza a menina contra
seu rosto. Virou-se olhando seu filho ainda deitado.
- N-não entendo... - Hesitou. - Mirana...
Onde você esta? - Lembrou de sua esposa. - Ela... Onde ela se meteu? -
Levantou-se colocando a menina na cama, hesitando em solta-la por completa. -
Minha menina... - Beijou sua testa gelada. Tomou forças para solta-la. Quando o
fez, se voltou rapidamente para a saída do quarto. Não conseguiria olhar para
trás, não para seus filhos mortos. Então ele continuou...
Já em seu aposento, não conseguira
encontrar ninguém. Sua esposa não estava ali, não havia sinal dela em todo o
lugar. Sentiu levemente a brisa da chuva passar em seu rosto. Uma das janelas
estava aberta, dando entrada para a chuva e vento. Ele se aproximara da janela,
encontrando em seu exterior pegadas na lama. Só poderia ser de uma pessoa.
Saindo da casa, correu em direção do
local das pegadas. Dali, conseguira um rastro, que o levaria direto para sua
mulher. As pegadas eram distantes uma da outra, o que dava o sinal de que ela
estava correndo. Aquilo deixou-o mais aflito. Ela poderia estar correndo
perigo, porém, o alegrou, pois foi o único sinal de vida que havia encontrado,
desde os sacerdotes.
Aproximou-se do pequeno celeiro do
senhor Bardok, o local onde havia indicado para os sacerdotes, e onde as
pegadas acabavam. A luz no seu interior era fraca. A porta do celeiro entre
aberta o convidava a espionar e descobrir o que havia em seu interior.
- Eu juro pelos Deuses. Se esses
malditos sacerdotes de merda tiverem algo a ver com isso... - Indagou convicto
de que iria decapitar um por um. - Mirana, espero que esteja bem.
O baque molhado de suas pegadas na
lama era ensurdecido pelo barulho da chuva. Cada passo mais próximo da porta
fazia seu coração bater mais forte. Próximo a porta, conseguia escutar pequenos
grunhidos, o que até então seria normal para um celeiro. Sua mão tocou leve na
porta de entrada, abrindo-a lentamente. Seus olhos espiaram o interior do
celeiro, revelando sobre uma luz fraca o semblante de uma mulher, deitada sobre
o feno observando o vazio.
- Mirana! - Abriu a porta em um
único empurrão. - Graças aos Deuses... - Deixou escapar um leve grito de agonia
ao sentir seu baço frio por dentro. Seus olhos abaixaram para olhar, vendo a
ponta de uma lamina atravessar sua carne. Tocou-a com a mão esquerda, sentindo
o sangue derramar quando a lamina saiu de seu interior. Olhou novamente para
sua mulher, com a visão um pouco embaçada. Ela continuava olhando o vazio,
observando a escuridão.
- Mi-mirana! - Chamou sua mulher,
que com medo nos olhos virou o rosto em sua direção.
- Me ajude... - Sussurrou a mulher
temendo o escuro a sua frente. Escuro que logo tomou forma, um semblante
nevoento. Aparentava ser um homem, porém, muito maior do que um. Ele agachou em
sua direção, tocando-a na face.
- Afaste-se dela! - Gritou sem
força. A criatura não ouvia, e continuava a se aproximar de sua mulher, seus
rostos quase colados. Diante dele, observou sua mulher indefesa ser roubada
pelo vazio. O vazio havia levado algo de grande valor dela, não algo material,
algo mais valioso que ouro ou jóias... Sua alma.
Cambaleando com a mão no tórax,
tentou alcançar sua mulher. Que de longe, soltava um brilho branco pela boca.
Sua pele cada vez mais pálida, seu corpo cada vez mais magro. Uma pequena
esfera iluminada saiu de sua boca e adentrou o escuro da criatura.
- NÃO! - Gritou profundamente,
quando o corpo dela caiu sobre o feno. Uma segunda vez, foi perfurado pelas
costas, sentindo o frio da lamina em seu interior. Parou subitamente. Não
conseguia virar para ver o que havia lhe acertado, ou quem havia desferido o
golpe. Apenas parou. Lagrimas saiam de seus olhos, enquanto lagrimas de sangue
desciam pelo seu corte.
A criatura ainda próxima de sua
mulher, começou a deitar-se sobre a mesma. Algo estranho começou a acontecer,
quando a sombra subitamente começou a se dissipar. Entrando por sua boca, ela
se dissipou por completo.
Não estava entendendo absolutamente
nada, mesmo sua visão perturbada pela dor não era suficiente para entender o
que estava acontecendo. Apenas via a cor de sua mulher voltar a sua forma
normal, e ela levantar-se calmamente de onde havia jazido. Com uma feição nova,
ela caminhou em sua direção de forma solene.
- Mi-mirana... Graças aos Deuses...
- Alegrou-se vendo sua mulher novamente bem. Caiu de joelhos no chão do celeiro
com a cabeça baixa. - Pensei que tinha perdido tudo... As crianças... - Pausou.
- Você... - Respirou com dificuldade.
- Não se preocupe... - Respondeu
calma. Colocando sua mão esquerda em seu queixo, levantando sua cabeça em sua
direção. - Hoje, será fecundado o destino de todos. - Sua voz era seria, porém,
confortante. - Não precisará sofrer mais, o mundo será varrido em alguns meses.
Você poderá descansar. - Sorriu para seu marido.
- Não consigo... - Tossiu, sentindo
uma pontada de dor em sua barriga. Sangue escapou por entre os lábios. - Não
consigo entender. - Respondeu com dificuldade.
- Descanse. - A mão da mulher se
estendeu adiante, recebendo de mãos estranhas uma pequena adaga. A luz das
velas tornou a adaga alaranjada, refletindo a luz das chamas. - Você esta
liberto. - Sorriu ao puxar a cabeça de seu marido para trás, cravando a lamina
em sua garganta, e puxando-a de um canto a outro, deixando que o sangue fugisse
de seu pescoço. Engasgado o homem relutou colocando sua mão no braço da mulher,
olhando-a com tristeza, agoniado por saber que havia sido morto por sua
companheira, a mulher do qual havia declarado amor eterno.
- Até logo meu amor. - Despediu-se
do homem, jogando sua cabeça para trás, deixando que o corpo caísse sobre o
chão. Por um instante conseguiu ver embaçado a forma de um homem encapuzado,
seguido por diversas outras formas semelhantes.
"Vocês...", lembrou em sua
mente, os homens que havia deixado entrar em sua vila, homens que havia dado a
permissão de ficar, acolhidos pela sua inocência. Convidados e bem-vindos a
destruir sua vida...
Esta foi a primeira parte de um conto que estou a escrever. Demorei um pouco para postar, porém, acredito ter ficado da maneira que eu de fato desejei. As vezes esqueço que estou escrevendo mais para mim, do que para qualquer outra pessoa, e acabo esquecendo que me agradar vem acima de qualquer outra coisa. Bem, é isso, se curtiram, logo trarei mais sobre esse mundo que estou desenvolvendo. Obrigado!O que são os nórdicos? São homens fortes, repleto de pelos e força bruta. O fervor da batalha é o que mais ama em sua vida. Vivem em regiões repletas de árvores e florestas, ou próximos a colinas rochosas de neve. São orgulhosos e defendem a sua, e a vida de qualquer semelhante que estiver em perigo. Não são totalmente apegados ao afeto, porém, prezam sua linhagem, e não misturam seu sangue.
Meio a eles, é mais fácil de se encontrar homens que deram origem a suas linhagens, pois procuram manter suas origens.
Pouco são aqueles que utilizam da magia, e quando a usam, são raras as vezes que são vistos utilizando. Seu maior amor é o combate corpo a corpo, utilizando de espadas e escudos, lanças e flechas, pedras e troncos, qualquer coisa que pode ser usado para ferir.
Suas tavernas são alegres e cheias de canções históricas, lembrando de feitos antigos, e batalhas vencidas ou perdidas. A cerveja é tomada em abundancia e pelo menos uma vez a cada noite, é possível encontrar uma briga entre eles.
Apesar de sua força bruta, e seu aspecto troglodita, nem sempre são desprovidos de inteligencia e sabedorias, pois quanto mais velho um nórdico fica, mais sabia ele fica.
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