quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Capítulo 1: O Rei.

                Laminas dançavam uma com a outra, chocando-se diversas vezes, tilintando de forma agonizante. Lembravam cobras se entrelaçando em um brutal combate. Se não fossem os gritos de euforia produzidos por aqueles que olhavam, o som poderia ser ouvido a distancia. A peleja se estendia por mais de uma hora.
                O sol no alto das árvores, produzira um breve calor, porém, naquela manhã a brisa era forte, e tornava o ambiente acolhedor para descansar e observar as nuvens. O povo nórdico é por natureza de uma brutalidade desigual.  Seu amor pelas terras na qual vivem, é ainda mais característico, se preciso for, travam guerras para dominar ou defender seus lares. Mesmo os poderosos elfos já sucumbiram ao tentar aniquilar o reinado nórdico em "Floresta Branca", local mais próximo de um reino elfico, onde os nórdicos vivem em meio a aldeias em florestas de gelo. Batalha essa que é lembrada por eles como "A batalha da floresta vermelha", onde centenas de elfos sangraram em solo nórdico, deixando a relva rubra por longos anos.

                Os guerreiros voaram mais uma vez para o combate, fazendo suas armas chocarem.  Graças a uma escudada que havia tomado a pouco, um deles tinha a barba branca manchada em torno a boca de vermelho , este partiu com violência com sua arma, quase pegando o homem mais novo de cabelos loiros despreparado. O escudo do loiro rebateu a arma com força, jogando a mão e a arma do velho para trás, deixando-o totalmente desprotegido, ajoelhado ao solo. O rapaz desceu sua arma visando o pescoço do velho, que em um movimento astuto ergueu com sua pouca força o braço esquerdo protegido pelo escudo aos céus, tampando o sol em seus olhos, e bloqueando o golpe. Com o resto da sua força, jogou-se para frente em direção ao rapaz, abraçando sua cintura, fazendo-o desequilibrar-se, caindo junto ao velho no gramado.
                Todos a distancia ficaram quietos como o vento, tornando por alguns instantes audíveis suas próprias respirações. O próximo movimento poderia trazer a tona o vencedor.
Sem delongas, o velho pousou com forças seu escudo no braço direito do rapaz, deixando-o imobilizado, impossibilitando-o de usar a espada.  Com o joelho direito, esmagou a barriga do infeliz, que proclamou um som inaudível de agonia. A mão do velho, desceu uma vez em direção a face do loiro. Uma segunda vez. Na terceira, o escudo viajou através da mão esquerda do jovem em direção ao velho, como uma ultima esperança, porém, o corpo do homem dirigiu-se a direção contraria, para trás. O grisalho com sua mão agarrou o escudo que o atacava batendo-o contra o rosto do loiro. O sangue escorreu por sua boca, deixando a mostra alguns buracos em sua arcada dentaria, onde acabara de engolir alguns dentes. Uma segunda vez o escudo desceu, deixando o rapaz com olhos vagos, visando o nada, enquanto balançavam de um lado ao outro, procurando qualquer coisa para se fixar.
                - Acabou... - O velho proferiu cansado, levantando com esforço. - Seu destino está com os Deuses. - Afastou-se do corpo, buscando sua espada a alguns metros. O rapaz loiro levantou com muito esforço a cabeça.  Ao longe, ouviam-se gritos de apoio, pessoas gritando para levantar, para lutar com honra, e enfrentar a morte como um verdadeiro nórdico. Porém, o que viram, foi um garoto com seus 18, 19 anos, buscando apoio agora de costas para seu adversário. Começou a caminhar lentamente para trás. Olhos perdidos na multidão, procurando o auxílio esperado.
                - Pai? - Chamou. - Onde está meu pai? - Chamou uma segunda vez. - Não me deixe morrer pai! - Exclamou em piedade. Nenhuma resposta foi ouvida.
                - É esta a grandiosa semente de Bralguuf? - O velho gritou para a multidão. - É este que desafia o seu rei para um combate de honra, buscando direito ao trono? - Furioso, gritava em uma única direção. - Não conseguira dominar o meu posto, então envia seu filho jovem para me matar? É isto que esperava acontecer? - Um homem velho, com cabelos dourados observava a distancia, com olhos desaprovadores. Olhos que cobiçavam a morte daquele homem. - É com prazer, que envio seu filho para os Deuses... Mas não para batalhar ao lado deles!
                Caminhou em direção ao rapaz que ainda buscava seu pai em meio ao publico. Sua espada em mão balançava conforme o andar, cortando o vento com firmeza. Uma bela arma, torneada a ouro e prata, forjada com aço nobre.
                - Adeus filho de Bralguuf, do qual não pretendo proferir o nome. Vá aos Deuses com a honra que não teve em batalha! - Com sua mão esquerda pousada nos ombros do garoto, puxou-o para trás, deixando-o frente a frente, rosto a rosto. A espada perfurou-o no estomago. Trazendo para fora o sangue pela sua boca, enquanto se ajoelhava frente ao rei. Desonroso. Com olhos tristes de dor. O rei olhou em sua face, com olhos piedosos, triste por imaginar o destino daquele jovem garoto, que futuramente ocuparia um posto grande em uma casa nobre, sendo ele, o filho primogênito de seu rival pelo trono. Entristecia-se ao pensar em sua mãe, e em seus irmãos que estavam a assistir aquilo. Porém, enfurecia-se pelo pai que não ensinara o filho a morrer com dignidade, como um nórdico deve fazer, pois não haveria maior honra do que morrer em um combate justo.
                - Vá aos Jardins Sagrados de Edda, onde seu nome foi escrito, não como um guerreiro, mas como um filho amado. - Pausou. Colocando a mão nos olhos do rapaz, deixando-o cair sobre a grama.
                A clareira estava em silencio, somente o vento cantava sua canção. As árvores mexiam conforme a dança e algumas pessoas começaram a deixar o lugar. Uma mulher chorava a distancia abraçando o corpo do homem velho de cabelos dourados. Seu rosto sereno permaneceu intacto, fitando o homem que acabara de matar seu primogênito. A mulher aos prantos começou a caminhar junto ao marido na direção do falecido filho. No caminho, o rei cruzou olhares ao se afastar do derrotado. 
                -Seu filho não teve uma morte honrosa em combate. Mas teve uma morte boa, morte que espero ter valido a pena para você, que obrigou alguém tão jovem a desafiar seu rei. Algo indigno em tempos de paz... - Firme, se afastou do casal.
                - Espere... - Falou finalmente. Observou com frieza o rosto do rei. - Minha esposa pede um enterro digno para ele, espero poder fazê-lo. 
                - De acordo com nossas regras, seu filho não poderia ter um enterro digno de um guerreiro. - Ponderou pensativo, observando a mulher. - Mas nossas regras não impedem que tenha um enterro digno de um filho querido. - Esperou uma resposta que não viria. No fundo sabia disso. Mas esperou que cicatrizes já houvessem sarado, mesmo depois da morte de um filho. Não foi o caso. - Providenciarei tudo que for preciso. Enviarei alguém para ajudá-lo... - Partiu em direção a floresta, pensando em tudo que acabara de acontecer, e no banho quente que precisaria tomar para matar mais uma coisa... Memórias de um dia conturbado.


                O rei entrou em seus aposentos ainda molhado, deixando escorrer água por onde passava. Seus olhos melancólicos não haviam mudado desde o combate. Achava que em tempos de paz, deveria ser mais fácil reinar do que em tempos de guerra. Porém, descobrira que em tempos de guerra, a batalha é necessária e a morte é inevitável, enquanto em tempos de paz, a morte vem apenas por motivos banais, de vingança, ou inveja. Seja um ladrão que inveja a fortuna conquistada de alguns, ou a morte de um familiar que trás a chacina da vendeta. Casas que caem por motivos tão fracos.
                Seus passos deixavam seu rastro, eles que foram seguidos por sua mulher. Ela com seus quarenta anos. Adentrou o quarto em que seu marido residia, observando-o trocar-se em silencio, calmo, profundamente fixado em seus pensamentos. Eles que nem ao menos deixaram-no notar que havia alguém ali.
                - Meu rei. - Formal demais para uma esposa. - Vejo que os Deuses beijaram sua espada, e abençoaram seu escudo. Agradeço-os por trazê-lo de volta. Não conseguiria receber a mensagem de que o filho de Bralgruuf havia matado meu marido. - Pausou, observando os olhos tristes do esposo. - Escutei rumores do ocorrido. Não foi a melhor das mortes, mais providenciou para ele uma morte limpa. Você foi justo, espero que entendam.
                - Também espero... - Falou baixo. - Tudo o que não quero é uma chacina contra a família de Bralgruuf. Ele sofreu muito na grande guerra, viu muitos dos seus morrer diante da minha lâmina. Ele era o único que poderia me desafiar. Tinha seus motivos, porém, enviou seu filho... - Pausou. - Não esperava isso, era um jovem imaturo, mais tinha um grande futuro. - Olhou profundamente em seus olhos. - Por falar em filhos, onde estão Vigryd e Baldruur? Preciso ver meus filhos imediatamente. Quase os perdi hoje, e não consigo parar de pensar nisso...
                - Vigryd esta em seu quarto, já Baldruur deve estar no ferreiro, queria lhe presentear na volta pra casa. Ele disse para mim, que sabia que iria vencer, que não precisava me preocupar.
                - Conhece o pai que tem. - Riu pela primeira vez, enquanto calçava suas botas, já trocado com uma bata verde com pequenos detalhes prateados. Uma calça de cor marrom, e sobre os ombros um grosso manto felpudo branco e dourado. Colocou sua fiel arma na cintura, junto a bainha. Trajado daquela maneira, de fato ele era um completo rei. Com seu rosto sereno, desprovido de preocupação, assim como um rei deveria se mostrar.
                - Não esqueça disso, não está mais em campo de batalha. - Sua amada caminhou calma, deixando seu vestido esverdeado dançar conforme caminhava, trazendo ao rei, uma coroa de ouro, ornamentada  com estacas em todas as direções, pequenas e grandes, deixando-a com uma aparência agressiva. - Ela cai muito bem em você. Muito mais do que sua arma. Deveria deixa-la mais de lado do que a coroa. - Criticou, insegura e preocupada com o marido.
                - Devo mostrar ao meu povo, que seu rei é um verdadeiro rei nórdico. Não um burocrata do conselho, um rei que tem mãos firmes para proteger os mais fracos, e uma espada para cortar as raízes dos inimigos, não deixando-os florescer em nossos campos. - Colocou a coroa, tornado-se um completo rei.
                - Se gosta de cortar raízes, que vá se tornar botânico, é mais seguro, e ninguém pode te desafiar. - Brincou, sorrindo.
                Devolveu o sorriso a esposa, com um ar de aprovação. Puxando-a contra seu corpo, deixando-a bem próxima de seu rosto.
                - As únicas raízes que valeram a pena serem cortadas, foram as que me impediram de chegar até você. Todas as outras são cortadas por obrigação. Àquelas, eu cortei por não aguentar ficar longe de você. - Sua esposa não ousou responder, mergulhou seus olhos nos do esposo, que a conquistava como pai, amante e rei todos os dias. Beijaram-se como se fosse a primeira vez.

                O rei havia passado a pouco no quarto de sua filha Vigryd, onde a abraçou como no dia em que chegara ao mundo, sentindo a paixão que sentiu no momento que a pegou pela primeira vez nos braços. Hoje já não podia mais pegá-la, pois já era uma menina formada, com seus quatorze anos, já em idade de se casar, ou ao menos ser prometida a algum jovem nobre, que continuasse sua linhagem.
                No grande salão do trono, o rei observara pela janela a imagem do esbelto príncipe se aproximar da porta. Já sentado no trono, mostrava-se soberano, digno do seu posto. Alguns homens sentavam próximos ao rei, porém, alguns degraus abaixo do trono formando uma fileira de três cadeiras de cada lado. A porta fora aberta, deixando a luz do sol entrar por um breve momento, então se fechou. O jovem Baldruur caminhava firme em direção aos velhos. Mantendo toda a postura possível, trazendo em mãos um objeto redondo coberto por um tecido branco e dourado. Meio aos velhos à esquerda e à direita, o jovem ajoelhou-se frente ao pai. Seus olhos encontram o do progenitor, olhos severos, que esboçaram um grande sorriso de felicidade.
                - Levante-se meu filho. - Ordenou. - Sou seu rei, e você meu herdeiro. Reis não devem se ajoelhar em publico. - Advertiu. - Um dia você será rei, então deverá saber disso.
                - Desculpe-me pai. - Pausou, levantando de imediato. Era um homem forte, com seus dezoito anos, de cabelos cor de mel, eles que iam até seu ombro, com algumas mechas entrelaçadas para trás. Trajava uma camisa de manga longa, cor do sol, coberto por um colete esmeralda, calças tradicionalmente marrom. Em mãos cobertas por luva, segurava o objeto.
                - Este é um pequeno presente meu. - Caminhou devagar em direção ao pai, que levantou para receber. - Espero que o utilize em futuros combates, pois sei o quão habilidoso o senhor é e imagino o quão ameaçador deve parecer um forte rei. - O homem retirou o pano por cima do objeto, revelando um belíssimo elmo negro, detalhado em todos os aspectos. Com fortes estacas em sua parte superior, ornamentadas em prata, enquanto uma grande esmeralda esculpida a cada lado trazia o brasão de sua família: uma flecha entrelaçada em visco branco.
                Com o elmo em mãos, o homem abraçou o filho com força, lembrando-se de tudo que  havia ensinado ao menino, imaginando qual seria o seu futuro. Era um jovem forte e de bom coração, sabia que iria ser um grande rei, e seu povo iria amá-lo, assim como o amavam agora.
                - Obrigado meu filho. - Beijou sua testa. - A cada dia, você me demonstra o quão grande você pode ser um dia. - Sua cara demonstrou um ar de desconforto. - Imagino se houvesse perdido. O que faria com o elmo? - Indagou.
                - Nunca pensei em sua derrota pai. - Sorriu. - Seu oponente era jovem, forte e bem criado. Todavia, você é experiente, forte apesar da idade. - Seu pai sorriu. - E deveria voltar para nós, o oposto dele, que não tinha o que perder, se não a vida.
                - Entendo. Não conseguiria viver ao lado dos Deuses, sabendo que minha missão não havia sido comprida com vocês, deixando-os a mercê do velho Bralgruuf. - Olhou o elmo. - Teria de enfrentar todos os Deuses para voltar à vida e tirar vocês dele! - Os homens sentados à sua volta, gargalharam junto a eles. - Por favor,  meu filho, sente-se em sua cadeira. Iremos iniciar uma breve reunião. - Seu filho costumava participar das reuniões do conselho. Seu pai havia dito que era um bom aprendizado para ele, entender das leis, e dos planos do rei. Poderia usar aquilo no futuro, quando estivesse sentado em seu lugar.
                Um dos homens, trajando um manto negro, tossiu observando os demais na sala. Esperou que todos estivessem acomodados, e prontos para iniciar a reunião, então levantou.
                - Falo por todos nesta sala meu senhor e em nome de todo nosso povo que o saúda, Rei Baldrer a Raiz Forte, Soberano das Terras do Oeste. Estamos muito felizes que tenha retornado com vida. Seu povo – que aprendera a te amar - sofreria por dias, se não anos, caso houvesse ocorrido o contrário. Os Deuses lutam ao seu lado, desde o momento que conquistara de volta as perdidas terras do Oeste, e subira a seu trono, recriando o reinado nórdico a muito perdido em morte, pelos malditos elfos. - Hoje, o reino que Baldrer havia criado, se tornara o mais forte entre os demais reinos dos homens. Este que há tempos era uma grande capital élfica, tirada dos próprios nórdicos que a criaram, como homenagem aos Deuses que haviam perecido em sua ultima batalha justamente nesse canto de terra. Dizem as lendas, que os deuses em sua ultima batalha pereceram no Oeste, e seus corpos criaram os povos que semeiam toda Runegard. Cada Deus acabara por criar uma raça, da qual depositaria toda sua força para abençoá-la, e levá-la a conquista terrena. Um único Deus, havia submetido sua carne em uma divisão mais distinta dos seres mais "humanos". Um Deus tão mal, que seu corpo se tornara adubo para semear a criação de toda criatura maligna que caminha sobre Runegard. Tais criaturas que constantemente atacam em hordas para destruir tudo até agora criado.
                Três Deuses criaram as raças dominantes em Runegard; Borrodin fez o povo nórdico nascer de sua própria carne, meio a sangue e bravura, um povo tão cheio de amor, e tão submisso ao ódio, tornando até mesmo sua existência um conflito de sentimentos. Friggyurd, mãe da terra e da natureza, abençoou em seu leito, as criaturas mais sabias de toda Runegard. De seu ventre, brotaram os frutos do nascimento dos Elfos, sábios e respeitadores da natureza; Thordonar, com sua brutalidade e força, sucumbiu perante as montanhas, com o bater de seu martelo, subjugando as pedras, e empapando-as com seu sangue, esculpindo a raça dos Anões, brutos mineradores, orgulhosos de seu trabalho, e inigualáveis na arte do combate. O último, um Deus ganancioso, que sempre buscou vitória frente seus irmãos de forma obscura e desonrosa. Lothur é trapaceiro, e foi o ultimo a morrer. Nem ao menos teria morrido, se não fosse Friggyurd em seu ultimo suspiro, ao ver Lothur apunha-lar Thordonar pelas costas. Raças inteligentes, burras, motivadas pela morte, vingança e terror despencaram por sua ferida, espalhando o caos por onde caminhara.


                Baldrer fitou os olhos de cada um do conselho. Costumava sempre fazer  isso, buscando cada palavra mentirosa na mente de seus companheiros. Porém, desta vez tudo era verdade, seu povo estava aliviado que não havia morrido.
                - Fico grato a todos por rezarem por mim, e comparecerem ao campo de batalha. - Observou seu filho, que não comparecera ao combate. Não o culpo, sua mãe é muito protetora, ele é um homem forte, capaz de me substituir assim que ordenar. Confio no garoto. Pretendia levar o garoto nos próximos combates que trajariam no futuro. Sabia que seu filho estava pronto para o combate, este que seria seu último teste como herdeiro do trono. - Peço que comunique que nesta próxima lua, uma festa seja dada em homenagem aos Deuses que me abençoaram neste momento tão complicado. Convidem todos, e não esqueçam de comunicar a Família de Balgruuf, não quero que pensem que estou festejando a morte de seu filho, e sim, enfatizem a eles que é uma homenagem aos Deuses. - Costumavam festejar aos Deuses, e orar a todos, pois apesar de todas as desavenças sabiam se respeitar, justamente por isso, repousavam em um único lugar, unidos para contar suas histórias e lutar suas batalhas sem fim.
                - Meu senhor, temos  alguns assuntos mais sérios para debater. - Interrompeu. Um homem de cabelo escuro bem curto, com uma cicatriz no canto esquerdo de seu rosto. Aquele era Orlav o Comandante do Exército de Ventre Primórdio, cidade do qual residiam, capital das cidades do Oeste, chamada assim, justamente pelas histórias de sua terra. - O povo do Leste continua suas investidas contra nossos fortes na fronteira central. Nossos Jarls estão começando a se enfurecer, e esperam uma atitude direta da capital. Não podemos esperar mais tempo, a guerra entre os povos baixos - Era assim que chamavam os Elfos e Anões. - esta tomando proporções inimagináveis, e uma guerra entre os nórdicos pode acender o pavio para eclodir novamente uma guerra entre os povos. - Parecia preocupado. Seu posto lhe dava esta preocupação, pois deveria ser a frente e a voz de um exercito, dominado apenas pela cabeça e mão do Rei. Muitos compromissos caiam sobre ele, e pedidos não paravam de ser enviados a sua pessoa.
                - Neste momento estou muito distante de um novo combate, esta lua festejamos e no nascer do Sol iremos nos preparar para qualquer guerra eminente. - Sorriu. - Caro amigo Orlav, sei que está tenso com tudo isso, mas seu velho Rei precisa de um breve descanso, e todos concordam que uma festa irá acalmar os ânimos por aqui.
                - Claro meu Senhor, esqueço que sua mente é a mente de um homem as vezes, e merece o mínimo de descanso de vez em quando. - Pausou. - Caro amigo, hoje festejamos! - Bateu com o punho cerrado na mesa, sorrindo para seu Senhor.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Prólogo: Sombras da morte.

            A chuva molhava suas botas de couro negro, empapando tolamente seus pés. O calçado se tornara uma mistura de lama e grama. Seus olhos vazios de expressão fitavam além da estrada que fora designado a proteger aquela noite. A aldeia permanecia em um silencio insuportável, apenas aumentando a agonia de estar só, meio a chuva e a névoa da noite.
            Ao longo da estrada se encontrava uma floresta escurecida pela noite, sombria e cheia de mistérios, afinal, até mesmo para os melhores caçadores uma floresta mergulhada na escuridão da noite, se tornava um manto de perigos e surpresas.
            A única entrada para sua aldeia percorria aquele caminho, e qualquer coisa que viesse a querer visitá-los teria que passar por ali. Um outro guarnecia na parte oposta da aldeia.
            Adiante, meio a névoa da noite, sinais de iluminação começaram a aparecer. O homem retirou dos olhos seu cabelo molhado, que o atrapalhava neste momento. Sua boca se retorceu por debaixo da barba grisalha que crescera em seu rosto. Sua curiosidade aumentou quando as luzes vieram a se tornar tochas, pelo menos dez delas. Uma fileira de figuras encapuzadas percorriam o caminho em sua direção.
            - Alto lá! - exclamou. - Quem são vocês, e o que vos trazem tão longe a esta hora da noite. - indagou, observando os semblantes escondidos por capuzes.
            - Primeiro, muito boa noite. - Começou formal. - Estamos dias a trote, viajando   meio a chuva e lama. Somos apenas sacerdotes meio a uma peregrinação! -  Parou. O homem observou-os com cautela, tentado a mandá-los embora.
            - Sei que somos estranhos aos seus olhos, mas não trazemos nenhum risco a sua aldeia, nem mesmo a sua vida. Pedimos apenas um pouco de abrigo e comida. Todos estão cansados, sem dormir a dias...
            - Vocês são quantos? - Indagou, sem nem ao menos notar, que mesmo a chuva não diminuía o fogo das tochas.
            - Estamos em quatorze pessoas. - Não mentiram. Estavam em quatorze pessoas, todas de capuz, observando-o.
            - Não gosto da maneira como me olham. Pra pessoas que necessitam de ajuda, estão com uma cara de merda que me faz querer chutar todos! - Relutantes viraram suas faces para o lado contrário do guarda. - Assim está melhor! Não sei a intenção de vocês, mais são um grupo muito grande para fazerem qualquer merda aqui sem que os denunciem. Procurem uma estalagem no centro de nossa aldeia, o velho Bardok irá servi-los! - Apontou a direção.
            - Muito grato meu senhor, que os Deuses o ajudem a cumprir sua missão aqui hoje, seja caído ou de pé! - Agradeceu o sacerdote, com um pingo ácido em suas palavras, quase que imperceptível.
            Por vez, continuaram a galopar dentre os portões abertos da grande barreira feita de madeira, ela que cercava toda a extensão da aldeia. Meio a eles, carregavam grandes placas de pedra meio cobertas por lenços.
            Entre os olhos, observou uma placa maior, de pelo menos dois metros, sendo carregada por um único cavalo. A ronda do homem já estava para acabar. Não agüentaria mais uma hora em pé, sendo castigado pela chuva e frio, porém, devia se manter de pé ao menos até o próximo turno. Os minutos se passaram, virando horas. Ninguém apareceu. Começou a pensar o porque de tudo aquilo. Praguejava aos deuses de todas as maneiras possíveis, amaldiçoando seus companheiros por fazerem aquilo com a ele.
            - Basta. - Se virou em plena fúria, voltando seus olhos para trás, observando o silêncio de sua aldeia. Ela que mergulhada em silêncio, aparentava mais um grande cemitério do que um vilarejo repleto de pessoas.
            Seus passos firmes na lama, o distanciando de seu posto o lembrou que não poderia largá-lo sem que alguém viesse, e este alguém estava pregando-lhe uma peça de muito mal gosto.
            - Harbok, seu moleque desgraçado. Vou escalpelar seu pinto e atirar aos porcos! - Praguejou, mirando o semblante de uma pessoa meio a rua. Caminhou pisoteando as poças de água e lama.
            Se aproximou o suficiente para tocar o ombro do jovem. Sua mão coberta pela luva de couro marrom, não conseguia sentir o frio além do normal no corpo do garoto. Virou-o apenas para ver uma face em plena agonia, morta, totalmente pálida. Um Harbok diferente, do qual não desejava ter visto, nem mesmo desejado tudo que praguejou. O corpo do rapaz se estatelou na lama, sem fazer qualquer movimento de luta para impedir a própria queda.
            Seu corpo estava mais magro do que o costume, assim como seu rosto. Seus olhos brancos não tinham sinal de vida. Estava morto.
             O desespero bateu em sua mente, não sabia o que fazer. Mergulhou de joelhos no chão úmido, manchando-os de lama. Tocou o corpo do garoto, procurando qualquer sinal de luta. Virou e revirou, mas não achou simplesmente nada. Não conseguia pensar em mais nada, um garoto tão jovem. Conhecia o pai do garoto, já estava imaginando a tristeza que o homem sentiria ao receber a notícia de que seu herdeiro havia sido morto. Pelo menos imaginava que havia sido morto. Mesmo não tendo nenhum sinal de assassinato, Harbok estava  muito estranho para ter sido uma morte repentina.
            - E essa agora... - Coçou seu cabelo meio grisalho, tentando achar alguma explicação. Observou em torno de si, e notou finalmente que a aldeia estava em um silêncio perturbador. Nada era ouvido.
            Um baque em sua mente acabou lembrando-o de sua família. Não sabia o porque, mais sentia que algo não estava certo.
            Com calma, levantou-se e parou, olhando em direção a sua cabana. Com passos calmos, viajou a distancia com sua mente limpa. Não conseguia pensar em absolutamente nada, nem mesmo na morte de um jovem companheiro.
            Ao chegar diante da fina porta de maneira, alegrou-se por notar que não havia pegadas, nem evidencias de que alguém havia entrado em sua casa. Colocou sua mão direita na cadeira da porta, empurrando-a devagar. Nenhum sinal de seu filho, ou de sua filha, nem mesmo sua mulher estava neste cômodo. A luz das velas permaneciam acessas. Continuou adiante, entrando no quarto de seus amados filhos. O formato de seus corpos estavam cobertos pelo cobertor, aquecidos, procurando se esconder do frio. Feliz, caminhou até o lado esquerdo da cama de seu filho, deixando um rastro de pegadas desde a porta de entrada. Olhou com afeto para seu herdeiro, lembrando do rosto de Harbok, pensando na linhagem perdida de seu velho amigo. Abaixou-se para observá-lo, apenas para ter certeza de que estava bem.
            - Graças aos Deuses... -  Tirou levemente o cobertor de seu rosto, era jovem, apenas quatorze anos. Sua pele estava branca, seu rosto magro. Aquele branco, um tom nunca antes visto em seu filho. Sentiu um grande aperto no coração. Virou o corpo do garoto para ele, notando sua aparência calma, totalmente desprovida de vida, porém, mergulhada em um descanso confortável, uma calma que apenas o sono pode trazer ao homem.
            - Isso... - Engasgou. - N-não... - Olhou para trás, observando a outra cama, com sua pequena filha de nove anos. Com um salto tirou-a do cobertor, abraçando-a com toda força, enquanto olhava para seu rosto. Se encontrava no mesmo estado de seu filho... Calma.
            Ambos estavam mergulhados numa calma eterna, simplesmente abençoada pelo único descanso eterno.
            - Mortos... - Soluçou meio a lagrimas, enquanto apertava a garota. - Os dois... Isso.. - Fechou os olhos, recostando-se a parede, sentado com a pequena nos braços. Apertou com firmeza a menina contra seu rosto. Virou-se olhando seu filho ainda deitado.
            - N-não entendo... - Hesitou. - Mirana... Onde você esta? - Lembrou de sua esposa. - Ela... Onde ela se meteu? - Levantou-se colocando a menina na cama, hesitando em solta-la por completa. - Minha menina... - Beijou sua testa gelada. Tomou forças para solta-la. Quando o fez, se voltou rapidamente para a saída do quarto. Não conseguiria olhar para trás, não para seus filhos mortos. Então ele continuou...
            Já em seu aposento, não conseguira encontrar ninguém. Sua esposa não estava ali, não havia sinal dela em todo o lugar. Sentiu levemente a brisa da chuva passar em seu rosto. Uma das janelas estava aberta, dando entrada para a chuva e vento. Ele se aproximara da janela, encontrando em seu exterior pegadas na lama. Só poderia ser de uma pessoa.
            Saindo da casa, correu em direção do local das pegadas. Dali, conseguira um rastro, que o levaria direto para sua mulher. As pegadas eram distantes uma da outra, o que dava o sinal de que ela estava correndo. Aquilo deixou-o mais aflito. Ela poderia estar correndo perigo, porém, o alegrou, pois foi o único sinal de vida que havia encontrado, desde os sacerdotes.
            Aproximou-se do pequeno celeiro do senhor Bardok, o local onde havia indicado para os sacerdotes, e onde as pegadas acabavam. A luz no seu interior era fraca. A porta do celeiro entre aberta o convidava a espionar e descobrir o que havia em seu interior.
            - Eu juro pelos Deuses. Se esses malditos sacerdotes de merda tiverem algo a ver com isso... - Indagou convicto de que iria decapitar um por um. - Mirana, espero que esteja bem.
            O baque molhado de suas pegadas na lama era ensurdecido pelo barulho da chuva. Cada passo mais próximo da porta fazia seu coração bater mais forte. Próximo a porta, conseguia escutar pequenos grunhidos, o que até então seria normal para um celeiro. Sua mão tocou leve na porta de entrada, abrindo-a lentamente. Seus olhos espiaram o interior do celeiro, revelando sobre uma luz fraca o semblante de uma mulher, deitada sobre o feno observando o vazio.
            - Mirana! - Abriu a porta em um único empurrão. - Graças aos Deuses... - Deixou escapar um leve grito de agonia ao sentir seu baço frio por dentro. Seus olhos abaixaram para olhar, vendo a ponta de uma lamina atravessar sua carne. Tocou-a com a mão esquerda, sentindo o sangue derramar quando a lamina saiu de seu interior. Olhou novamente para sua mulher, com a visão um pouco embaçada. Ela continuava olhando o vazio, observando a escuridão.
            - Mi-mirana! - Chamou sua mulher, que com medo nos olhos virou o rosto em sua direção.
            - Me ajude... - Sussurrou a mulher temendo o escuro a sua frente. Escuro que logo tomou forma, um semblante nevoento. Aparentava ser um homem, porém, muito maior do que um. Ele agachou em sua direção, tocando-a na face.
            - Afaste-se dela! - Gritou sem força. A criatura não ouvia, e continuava a se aproximar de sua mulher, seus rostos quase colados. Diante dele, observou sua mulher indefesa ser roubada pelo vazio. O vazio havia levado algo de grande valor dela, não algo material, algo mais valioso que ouro ou jóias... Sua alma.
            Cambaleando com a mão no tórax, tentou alcançar sua mulher. Que de longe, soltava um brilho branco pela boca. Sua pele cada vez mais pálida, seu corpo cada vez mais magro. Uma pequena esfera iluminada saiu de sua boca e adentrou o escuro da criatura.
            - NÃO! - Gritou profundamente, quando o corpo dela caiu sobre o feno. Uma segunda vez, foi perfurado pelas costas, sentindo o frio da lamina em seu interior. Parou subitamente. Não conseguia virar para ver o que havia lhe acertado, ou quem havia desferido o golpe. Apenas parou. Lagrimas saiam de seus olhos, enquanto lagrimas de sangue desciam pelo seu corte.
            A criatura ainda próxima de sua mulher, começou a deitar-se sobre a mesma. Algo estranho começou a acontecer, quando a sombra subitamente começou a se dissipar. Entrando por sua boca, ela se dissipou por completo.
            Não estava entendendo absolutamente nada, mesmo sua visão perturbada pela dor não era suficiente para entender o que estava acontecendo. Apenas via a cor de sua mulher voltar a sua forma normal, e ela levantar-se calmamente de onde havia jazido. Com uma feição nova, ela caminhou em sua direção de forma solene.
            - Mi-mirana... Graças aos Deuses... - Alegrou-se vendo sua mulher novamente bem. Caiu de joelhos no chão do celeiro com a cabeça baixa. - Pensei que tinha perdido tudo... As crianças... - Pausou. - Você... - Respirou com dificuldade.
            - Não se preocupe... - Respondeu calma. Colocando sua mão esquerda em seu queixo, levantando sua cabeça em sua direção. - Hoje, será fecundado o destino de todos. - Sua voz era seria, porém, confortante. - Não precisará sofrer mais, o mundo será varrido em alguns meses. Você poderá descansar. - Sorriu para seu marido.
            - Não consigo... - Tossiu, sentindo uma pontada de dor em sua barriga. Sangue escapou por entre os lábios. - Não consigo entender. - Respondeu com dificuldade.
            - Descanse. - A mão da mulher se estendeu adiante, recebendo de mãos estranhas uma pequena adaga. A luz das velas tornou a adaga alaranjada, refletindo a luz das chamas. - Você esta liberto. - Sorriu ao puxar a cabeça de seu marido para trás, cravando a lamina em sua garganta, e puxando-a de um canto a outro, deixando que o sangue fugisse de seu pescoço. Engasgado o homem relutou colocando sua mão no braço da mulher, olhando-a com tristeza, agoniado por saber que havia sido morto por sua companheira, a mulher do qual havia declarado amor eterno.
            - Até logo meu amor. - Despediu-se do homem, jogando sua cabeça para trás, deixando que o corpo caísse sobre o chão. Por um instante conseguiu ver embaçado a forma de um homem encapuzado, seguido por diversas outras formas semelhantes.
            "Vocês...", lembrou em sua mente, os homens que havia deixado entrar em sua vila, homens que havia dado a permissão de ficar, acolhidos pela sua inocência. Convidados e bem-vindos a destruir sua vida... 


Esta foi a primeira parte de um conto que estou a escrever. Demorei um pouco para postar, porém, acredito ter ficado da maneira que eu de fato desejei. As vezes esqueço que estou escrevendo mais para mim, do que para qualquer outra pessoa, e acabo esquecendo que me agradar vem acima de qualquer outra coisa. Bem, é isso, se curtiram, logo trarei mais sobre esse mundo que estou desenvolvendo. Obrigado!
O que são os nórdicos? São homens fortes, repleto de pelos e força bruta. O fervor da batalha é o que mais ama em sua vida. Vivem em regiões repletas de árvores e florestas, ou próximos a colinas rochosas de neve. São orgulhosos e defendem a sua, e a vida de qualquer semelhante que estiver em perigo. Não são totalmente apegados ao afeto, porém, prezam sua linhagem, e não misturam seu sangue.
Meio a eles, é mais fácil de se encontrar homens que deram origem a suas linhagens, pois procuram manter suas origens.
Pouco são aqueles que utilizam da magia, e quando a usam, são raras as vezes que são vistos utilizando. Seu maior amor é o combate corpo a corpo, utilizando de espadas e escudos, lanças e flechas, pedras e troncos, qualquer coisa que pode ser usado para ferir.

Suas tavernas são alegres e cheias de canções históricas, lembrando de feitos antigos, e batalhas vencidas ou perdidas. A cerveja é tomada em abundancia e pelo menos uma vez a cada noite, é possível encontrar uma briga entre eles.
Apesar de sua força bruta, e seu aspecto troglodita, nem sempre são desprovidos de inteligencia e sabedorias, pois quanto mais velho um nórdico fica, mais sabia ele fica.